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domingo, 28 de agosto de 2011

Fotos do 1º Sarau da FASBE - 26/08/2011













1º Sarau da FASBE

1º SARAU DA FASBE-27/08/2011
Turma de Pedagogia 1
Sarau? Que legal!
Ivan Santana, que bacana
Trouxe hoje poesia com sede de valia
Sou de Monte Santo e isso me identifica
Nossa cultura nos faz diferente
Não inferior, mas de respeito como gente
Peça teatral música descontraída
Que cura ate ferida
Edson detonou com sua viola preferida
Regina, que memória! Ela tem uma grande sina
Sina de fazer o outro rir e se divertir
Maria Julia e Luiz fizeram todo mundo feliz
Ate mesmo quem não quis
Luiza e Edilane, pessoas que fizeram acontecer
Todos juntos eu e você.
União não é ilusão,
Mas sabedoria que engrandece a criação
Pense que o acorde de um violão
Pode transmitir uma gama de emoção
Agora, vamos embora, antes que venha a autora
Mas ainda digo sem demora
Que o amor é o caminhão da vitoria.                                                                                                
Autor – aluno da FASBE, Rogério Mota

sábado, 27 de agosto de 2011

Etnocentrismo-Antropologia

A fábula da Convivência

A fábula se passa na Era Glacial, em um tempo remoto, quando diversas espécies animais foram extintas. Uma manada de porcos-espinhos, sentindo-se prestes a congelar, decide se unir para sobreviver.

Aquecendo-se uns aos outros e trocando energia, os porcos-espinhos ficavam cada vez mais fortes, mas a proximidade excessiva acabava expondo-os às feridas dos espinhos, e assim eles se machucavam e se magoavam. Juntos, estavam quentinhos, porém sangrando:

"Aqueles que mais amavam,
Aqueles que mais sofriam".

Não suportando os ferimentos, eles se afastaram. Cada um em seu canto, acabaram por morrer. Os sobreviventes voltaram e tiveram que aprender a respeitar os limites:

"Mantinham pouca distância,
Apenas suficiente,
Somente para tornar
O próprio corpo mais quente".

Assim venceram o inverno, aprendendo que estar juntos é fundamental, mas também que a individualidade deve ser preservada.

É fácil trocar palavras, difícil é interpretar o silêncio!
É fácil caminhar lado a lado, difícil é saber como se encontrar!
É fácil beijar o rosto, difícil é chegar ao coração!
É fácil apertar as mãos, difícil é reter o calor!
É fácil conviver com pessoas, difícil é formar uma equipe!

Para sermos uma equipe, "precisamos descobrir a alegria de conviver"
(Carlos Drummond de Andrade)

Afinal, a vida é também um jogo, e para saber jogar é preciso aprender as lições da convivência e dos limites.

Etnocentrismo na escola

O espaço escolar se presta a diversas análises. Podemos analisá-lo a partir das relações grupais ou, mais especificamente, procurando entender as dificuldades E problemas que ocorrem nas relações entre os grupos. E uma categoria antropológica que nos ajuda a entender essa problemática é a do etnocentrismo.
O espaço escolar é um dos espaços em que se reúnem seres humanos com as mais diferentes procedências. E aqui começa a se manifestar o problema: Nós, os humanos, nos consideramos únicos e, por isso mesmo, achamos que somos donos da verdade. Tudo que não é nosso ou que não procede de nós, é considerado como uma espécie de afronta, oposição, falsidade, ameaça... Essa situação está na base da caracterização do etnocentrismo.
A postura etnocêntrica é um dos primeiros entraves ou uma das primeiras dificuldades para que as pessoas se associem, formando grupos. Além disso e em seguida, após o grupo formado, podemos observar a dificuldade dos diferentes grupos se relacionarem. Da mesma forma que o indivíduo sente dificuldade em aceitar a verdade do outro, na relação entre os grupos isso também ocorre: A verdade de um grupo, em confronto com a verdade do outro produz os choques e os atritos tão presentes nas manifestações dos grupos de jovens, nas gangs, nas patotas juvenis. Podemos, inclusive, dizer que as brigas e confrontos entre traficantes, tão noticiados pela grande imprensa, além de todas as caracterizações sociológicas, políticas e sociais que possam ser feitas, também podem ser vistas como manifestação etnocêntrica.
Tudo isso que se observa nas relações sociais ocorre no universo escolar. E até, por que não admitir, também na sala de aula, pois também nesse espaço ocorrem relações conflitivas e se manifestam divergências entre os grupos rivais. Se nos dermos ao trabalho de conversarmos com um professor veremos como são freqüentes as situações em que se manifestam posturas etnocêntricas na relação entre estudantes. Desde os problemas de aceitação e entrosamento de um aluno novato na sala, como na formação de grupos de trabalho, para executar alguma atividade escolar cotidiana.
As realidades que manifestam algum tipo de choque cultural podem ser vistas como uma manifestação etnocêntrica não só nas relações sociais como também no ambiente escolar e dentro da sala de aula. O etnocentrismo manifesta-se como uma espécie de monólogo: um “eu” conversando consigo mesmo, desconsidera a fala do “outro” e os possíveis valores desse outro. Ou, pior ainda, nega o outro ao mesmo tempo em que nega sua fala; ao lhe negar a fala, nega seu valor e esse “eu” faz isso se supervalorizando e se afirmando.
Quando esse monólogo ocorre amplia-se a rivalidade, pois, nesse caso se acentuam as diferenças. A manifestação das diferenças, quando observada no ambiente escolar, passa a ser vista não como elemento educativo, mas como elemento provocador de maior divisão, pois, a partir da postura etnocêntrica, não se acentua o diferente como elemento agregador de valores, mas como elemento negador de proximidade. Assim sendo, o “eu” relaciona-se com meus iguais negando os diferentes e as diferenças. Observa-se, portanto que os diferentes não se completam nem se atraem, como se diz na gíria popular, mas se repelem. A tendência é nos aproximarmos dos nossos iguais ou dos conhecidos afastando-nos dos diferentes ou estranhos. Essa situação pode ser comprovada, em sala de aula, na medida em que os professores propõem trabalhos em grupo, alterando as relações e grupos já cristalizados: ocorre uma forte resistência, por parte dos estudantes. E fazem isso apresentando os mais diferentes argumentos.


Outra questão a ser observada é com relação à postura do professor em relação aos grupos ou posturas comportamentais dos alunos. Quando isso se manifesta na sala de aula, muitas vezes a tendência do professor não é observar o que está ocorrendo e buscar uma alternativa dialogada para, a partir das diferenças, construir relações de busca de pontos convergentes, mas de tomar partido. Tomando partido o professor está julgando um contra o outro, pois o professor toma partido. Em geral o professor toma partido, porque ele também se identifica com este ou aquele grupo. Entre o grupo dos comportadinhos e os “peraltas do fundão” é quase comum o professor optar pelos comportados, desenvolvendo uma postura hostil em relação aos peraltas. Nisso já está manifestado um ato de escolha o qual decorre dos juízos produzidos; juízos esses que nascem a partir dos valores desenvolvidos e prezados pelo professor que valoriza aqueles que manifestam atitudes que se aproximam dos comportamentos previstos nas normas propostas (ou impostas) pelo professor.
Embora a perspectiva antropológica seja a afirmação da relativização visto que as diferenças entre os grupos não ocorrem porque haja real divergência, mas porque as experiências de vida e os pontos de vista são distintos, podemos perceber que a ação escolar ainda tem dificuldade em relativizar. Em muitos casos ainda se manifestam as tomadas de posição em que o professor ou a escola escolhem um lado. Normalmente o lado dos comportados contra os “peraltas”.
Existe, para isso, solução? A resposta vai depender da capacidade que os integrantes do ambiente escolar tenham para não se envolverem com este ou aquele lado, com esta ou aquela situação, mas, tomando uma distância sejam capazes de promover a interação das situações ou dos grupos antagônicos. A postura poderia ser aquela a partir da qual se possa valorizar o diferente não por ser diferente, mas porque possui elementos prenhes de novas informações possibilitando novas aprendizagens.
Mas a dificuldade permanece não porque os envolvidos no processo formativo não queiram um ambiente escolar mais pacífico e integrado, mas porque esse grupo também forma um grupo em atrito. Pode até tomar uma posição favorável a este ou àquele grupo, mas o faz não como membros de grupos na busca da interatividade, mas como grupo dominante que deseja a submissão do “grupo rival” às normas estabelecidas.Esse grupo dominante tem resposta pronta a ser aplicada ao ambiente escolar. Dessa forma o grupo formador passa a exercer seu poder sobre os demais grupos, aliando-se a uns e silenciando aos outros pela aplicação das normas pré-estabelecidas pelo grupo dominante e representante do sistema.
Tendo isso presente podemos dizer que é difícil perceber uma postura relativista no ambiente escolar. Mesmo o professor, que normalmente está na linha de frente tanto do contato com os diferentes, como em contato com os atritos manifestados pelos grupos sobre os quais exerce seu poder de lente, apresenta-se aos estudantes como autoridade e é uma autoridade. Quando permanecem relações de superioridade e subalternidade permanece a diferença entre os grupos. Essa situação de superior x inferior é uma das que mais cria dificuldade a qualquer perspectiva relativisadora. Como estabelecer um contato de relatividade se o professor – ou a instituição escolar – precisa fazer valer alguns princípios desse grupo (escola ou professores) ou princípios  já estabelecido para produzir um ambiente em que os diferentes sejam tratados a partir dos mesmos critérios?

Em tudo isso, se admitimos que o ambiente escolar também enfrenta os problemas do etnocentrismo, como entender, aí, a posição e a postura do professor?
Da mesma forma que no ambiente escolar deve haver uma constante vigilância no sentido de minimizar imposições etnocêntricas, criando um ambiente em que seja possível relações relativizadoras o professor deve se manter vigilante. Não se trata de negar os valores pelos quais a escola preza, mas de criar ambientes capazes de estabelecer diálogos em que os diferentes possam se manifestar em sua plenitude para, ao serem conhecidos, serem valorizados e a partir disso seja possível ocorrer os processos de aprendizado. Cabe ressaltar que é possível mais aprender com o diferente do que com o semelhante. Aquele a quem já conhecemos raramente nos trará novidades, pois faz parte do nosso cotidiano. Por sua vez o desconhecido ou o membro do outro grupo sempre tem algo que pode nos proporcionar algum aprendizado, pois não convive conosco no cotidiano, e, além disso, possui outras relações, outras informações, outras perspectivas a respeito da realidade e do mundo
A relação com o grupo de semelhantes nos ajuda a manter aquilo que já nos é próprio ou as categorias pertencentes ao nosso grupo. A relação com os semelhantes é uma relação de manutenção e preservação de valores e não a abertura de novos espaços e oportunidades. Exatamente o contrário é o que acontece na relação com o diferente ou o estranho: essa relação ocorre colocando em cheque os valores e saberes do grupo de semelhantes ao qual nós pertencemos. Além disso o outro coloca em cheque os nossos valores para que possamos nos pré-dispor ao novo. O processo de aprendizagem, assim como o processo de interação só tem perspectivas crescentes quando se consegue ultrapassar as próprias fronteiras, as posturas etnocêntricas, para nos lançar em direção de outros universos...
qual o papel do educador para combater o etnocentrismo na escola e em que situação isso ocorre?
articulação do conceito de etnocentrismo no campo das relações pessoais
http://www.artigonal.com/ciencia-artigos/etnocentrismo-na-escola-631572.html

Etnocentrismo

É a atitude de quem só reconhece legitimidade e valores às normas e valores vigentes na sua cultura ou sociedade. Ato da discriminação cultural baseado na crença de superioridade cultural.
Etnocentrismo é um fenômeno social muito comum em todos os aspectos culturais que vigoraram até o século XIX e mesmo no século XX, e que deve ser conhecido por conta de suas implicações nos processos administrativos e éticos dos tempos atuais nos quais nos encontramos.
Etnocentrismo poderia ser definido como um conceito antropológico, segundo o qual a visão ou avaliação que um indivíduo ou grupo de indivíduos faz de um grupo social diferente do seu é apenas baseada nos valores, referências e padrões adotados pelo grupo social ao qual o próprio indivíduo ou grupo fazem parte.
O conceito de etnocentrismo surge como uma característica comum aos povos antigos. Isolados geograficamente, cada grupo étnico forma sua própria cultura, com seus valores, comunicação e comportamentos adequados às representações de seus conceitos existenciais. Da mesma forma, como cada cultura atribui seus valores e leis, bem como suas normas de conduta, à legislação metafísica dos deuses, torna-se comum a crença de que sua cultura é a referência de juízo sobre todas as demais culturas, quando ocorre o encontro entre duas etnias diferentes.
Todavia, o que era justificado por um conjunto cultural organizacional sistêmico, quando ocorre a derivação para os meios comerciais, e quando as tecnologias delimitam as fronteiras geográficas, passa a ser utilizado como um referencial arbitrário, que pode não se justificar nos contextos de relações empresariais. Isso resultou em uma série de situações desagradáveis, e em choques de valores que culminaram em desorganização, equívocos e conflitos comerciais.
O fato de que o ser humano vê o mundo através de sua cultura tem como conseqüência a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural. Tal tendência, denominada etnocentrismo, é responsável em seus casos extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Sentido tradicional de cultura

Sentido tradicional de cultura
Vincula cultura a:
Freqüentar teatros, museus, óperas;
Viajar por muitos lugares;
Dominar diferentes línguas;
Ler jornais, revistas e acompanhar as notícias do mundo etc.
CLASSIFICAÇÃO ENTRE “ALTA” E “BAIXA” CULTURA
No campo dos Estudos Culturais
Cultura é compreendida como o meio pelo qual atribuímos sentido para aquilo que nos acontece.
TODOS POSSUEM CULTURA
NÃO HÁ SEPARAÇÃO ENTRE “ALTA” E “BAIXA” CULTURA
PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO (TRANSFORMAÇÃO) CULTURAL:
MÍDIA, ESCOLA, FAMÍLIA, LOCAIS DE DIVERSÃO, ENFIM, A SOCIEDADE

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

UMA ANÁLISE FOUCAULTIANA DA TV: DAS ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NA CULTURA

Rosa Maria Bueno Fischer (UFRGS)

Introdução
Apresento neste trabalho conclusões de uma pesquisa concluída no ano de 2000, cujo objetivo foi caracterizar o “dispositivo pedagógico” da mídia, particularmente da televisão, supondo que os meios de informação e comunicação constroem significados e atuam decisivamente na formação dos sujeitos sociais. Foram analisados 66 produtos televisivos[1] e, no trabalho feito sobre o material, buscou-se identificar o caráter pedagógico das produções televisivas, a partir do referencial teórico assumido: basicamente Michel Foucault (e seus conceitos de discurso, sujeito, “técnicas de si”) e Beatriz Sarlo (e suas reflexões sobre a linguagem da TV).
Nas análises feitas, procuramos dinamizar a teoria do sujeito, do poder e do discurso, formulada por Michel Foucault em sua obra (particularmente visível no conceito de “técnicas de si”, de que trataremos logo a seguir), bem como o conceito de “dispositivo pedagógico”, desenvolvido pelo estudioso Jorge Larrosa. Partindo das formulações desses dois autores sobre o problema do sujeito na cultura contemporânea, confrontamos tal debate com outras teorias mais diretamente dirigidas à compreensão dos processos de comunicação e informação[2].
O propósito deste trabalho é mostrar como foram construídas as categorias de análise dos produtos televisivos, de modo a reunir nelas pressupostos de dois grandes campos – o da comunicação (atentando para as estratégias de linguagem da TV) e o da educação (sublinhando o problema da constituição do sujeito, de sua produção e formação, a partir do consumo de produtos midiáticos) – e colocar em debate alguns dos “achados”  da análise feita no decorrer da investigação[3].
“Técnicas de si” e mídia: sobre a teoria básica
A partir da investigação sobre textos clássicos gregos e latinos, Foucault definiu as techniques de soi como aqueles procedimentos e técnicas que “permitem aos indivíduos efetuar, por conta própria ou com a ajuda de outros, certo número de operações sobre seu corpo e sua alma, pensamentos, conduta, ou qualquer forma de ser, obtendo assim uma transformação de si mesmos com o fim de alcançar certo estado de felicidade, pureza, sabedoria ou imortalidade” (Foucault, 1995a, p. 48, trad. da autora).
Ora, como definir hoje as “técnicas de si” propostas por nossa sociedade, muitas delas tão freqüentemente presentes nos meios de comunicação? De que operações sobre nosso corpo e nossa alma elas falam? E o que seria em nossos tempos atingir “certo estado de felicidade”? Nos estudos que empreendemos sobre mídia e produção de sujeitos buscamos identificar e analisar minuciosos procedimentos e técnicas de falar aos indivíduos e aos grupos, de interpelá-los em termos sociais, afetivos, políticos, econômicos; também de incessantemente fazê-los falar e de, ao mesmo tempo, devolver-lhes suas falas e ditos a partir da voz de inúmeros especialistas.
Fundamentando-nos no conceito de “dispositivo da sexualidade” de Foucault (1990a, p. 100), descrevemos o dispositivo pedagógico da mídia como um aparato discursivo e ao mesmo tempo não discursivo (toda a complexa prática de produzir, veicular e consumir TV, numa determinada sociedade e num certo cenário social e político), a partir do qual haveria uma incitação ao discurso sobre “si mesmo”, à revelação permanente de si, práticas que vêm acompanhadas de uma produção e veiculação de saberes sobre os próprios sujeitos e seus modos confessados e aprendidos de ser e estar na cultura em que vivem; há que se considerar ainda o simultâneo reforço de controles e igualmente de resistências, em acordo com determinadas estratégias de poder e saber, e que estão vivos, insistentemente presentes nesses processos de publicização da vida privada e de pedagogização midiática. Ou seja: não se trata de apenas perguntarmo-nos sobre a responsabilidade da mídia nessa super-exposição das intimidades, mas de indagarmos sobre como as sociedades contemporâneas realizam o debate do que é “público”, definem o que é a “palavra pública”, orientam o que seria a “cena social”. A questão, portanto, é também (e fundamentalmente) política.

As categorias de análise

A fim de caracterizar o que vimos chamando de “dispositivo pedagógico da mídia” e proceder ao tratamento do material empírico referido na nota 1 deste trabalho, elegemos algumas categorias de análise, que agrupamos em dois conjuntos principais. O primeiro diz respeito às “tecnologias do eu”, e o segundo, às estratégias de linguagem televisiva. Quanto ao primeiro grupo, relacionado aos diversos modos de subjetivação em uma determinada formação social (cfe. Foucault, 1985, 1995b), consideramos todas as formas de, na TV, se produzir uma “volta sobre si mesmo”– por exemplo, as técnicas da confissão (sobre a intimidade, os erros, os desejos, a sexualidade), da culpabilização, da moralização das práticas (ou seja, as “lições de moral”), do exemplo de vida, da reflexão sobre o vivido, da auto-avaliação, da auto-decifração, da auto-transformação (basicamente, todas as técnicas propostas de mudanças operadas sobre o corpo e sobre modos de ser, atitudes), do governo de si pelo governo dos outros (tema exaustivamente tratado por Foucault), entre outras.
Quanto ao segundo conjunto, trata-se de categorias relativas à linguagem stricto sensu da mídia, particularmente da TV. Sua função é a de indicar os elementos e a construção de um tipo de sintaxe (da mídia) que, segundo hipótese desta pesquisa, poderia estar em harmonia com aquelas práticas de subjetivação. Assim, na construção do esquema de análise, definiu-se a característica da “televisibilidade” (conforme expressão de Beatriz Sarlo[4]) que, para efeito do trabalho de análise, engloba todos os recursos de roteiro, cenografia, elenco, figurino, edição e sonorização, os quais foram cuidadosamente anotados[5], na medida em que se mostraram “pedagógicos”, isto é, pertinentes a técnicas de subjetivação, de acordo com o explicitado acima. A partir do registro dos recursos de linguagem e da definição de “televisibilidade”, selecionamos um grupo de “categorias” assim discriminadas: a auto-referência (o modo como a TV fala de si mesmo através de diferentes produtos); a repetição (imagens e estruturas que retornam, propiciando tranqüilidade, prazer e identificação); o aval de especialistas (para a legitimação das verdades narradas); a informação didática (colocando o espectador na posição de quem deve ser cotidianamente ensinado); a opção por um vocabulário “facilitado”, traduzido, especialmente quando relacionado a termos técnicos; a reiteração do “papel social” da TV (o veículo apresentando-se como denunciador dos problemas sociais e, igualmente, como fonte das soluções possíveis; em suma, como um lugar “do bem”); a caracterização da TV como locus da “verdade ao vivo”, da “realidade” (especialmente, nas transmissões ao vivo e na busca de imagens que “reproduzam o real”, mesmo em comerciais e telenovelas); a transformação da vida em espetáculo (seja nas produções ficcionais, seja nos materiais informativos stricto sensu); a caracterização da TV como o “paraíso dos corpos” (particularmente, dos corpos jovens e belos); a reprodução na TV de práticas e normas nitidamente “escolarizadas”.
Vale dizer que tais categorias não possuem uma fixidez nem são universais: nas análises, elas foram tratadas em relação a outras variáveis extremamente importantes, quais sejam – as diversas modalidades de produtos televisivos, de um lado; e, de outro, a transversalidade das diferenças de gênero, classe, geração, raça e etnia, particularmente as três primeiras, como é possível visualizar no quadro a seguir.


ESQUEMA GERAL DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE
Categorias referidas às “tecnologias do eu”
(diferenciadas por classe, gênero, etnia, geração)
Categorias referidas à “televisibilidade”
(diferenciadas por gênero televisivo)
·          Confissão (dos erros, da intimidade, da vida amorosa, da Sexualidade, dos desejos)
·          Culpabilização
·          Moralização das práticas (“Lições de moral”)
·          Exemplo de vida
·          Auto-avaliação
·          Auto-decifração
·          Auto-transformação: do corpo e da alma
·          Governo de si pelo governo do outro
·          .Auto-referência
·          Repetição
·          Aval de especialistas
·          Informação “didática”
·          Reprodução do senso comum de um modelo de “escolarização”
·          Opção por um vocabulário “facilitado”
·          Reiteração do papel social da TV
·          Caracterização da TV como lugar da “verdade ao vivo”, da “realidade”
·          Transformação da vida em espetáculo
·          Identificação da TV como “paraíso dos corpos” jovens e belos
                                                  á                                                           
Recursos de roteiro, texto, cenografia, elenco, figurino, edição e sonorização


            Cada um dos programas gravados e transcritos foi submetido a uma análise e discussão, com base no esquema geral das categorias acima explicitado. Buscou-se com isso descrever as estratégias de construção de linguagem, na TV, na medida em que estas evidenciassem o “estatuto pedagógico” desse meio. A análise dos diferentes gêneros de programas permitiu descrever: a) variadas técnicas de exposição dos indivíduos; b) as correlatas inclusões, exclusões e atenção/desatenção às diferenças; c) modos de transformar vidas em espetáculo; d) as estratégias de confirmar a TV como locus pedagógico através das diferentes técnicas de falar ao sujeito individual – de que trataremos nos tópicos a seguir.
a) A exposição dos indivíduos na TV: uma tecnologia que se aperfeiçoa
Refiro-me aqui a técnicas que olhamos e que “nos olham”, na medida em que, a partir de nossa experiência com a televisão, nos convidam, nos capturam e nos ensinam modos de existir hoje, num tempo em que, como afirma Deleuze, “o poder investe cada vez mais em nossa vida cotidiana, nossa interioridade e individualidade” (1991, p. 112). Veja-se, a título de exemplo, como se estruturam os telejornais e os documentários, no sentido de sistematicamente localizarem em personagens individuais os diversos acontecimentos políticos, econômicos e culturais narrados, registrando e editando preferencialmente os momentos mais dramáticos de exposição de privacidade. Observou-se que, nos telejornais, freqüentemente pessoas simples apresentam testemunhos, de tal forma que estes se configuram como verdadeiras “lições de vida”; em outras ocasiões, personalidades públicas ou sujeitos anônimos confessam verdades sobre si mesmos, produzidas a partir de todo um aparato da mídia, mas que se manifestam como uma verdade especial, própria daqueles sujeitos que enunciam. Tais estratégias captam os telespectadores na sua intimidade, produzindo neles, muitas vezes, a possibilidade de se reconhecerem naquelas verdades ou mesmo de se auto-avaliarem ou auto-decifrarem com relação àquele tema. Assim, recursos como os de captação de imagens, os cortes, os efeitos de zoom e tantos outros funcionam no sentido de capturar a intimidade de um sujeito que sofre, chora, se emociona ou demonstra culpa, como se a TV pudesse, mesmo que por rápidos instantes, efetivamente penetrar na intimidade daquele que fala e, por homologia de campos (cfe. Bourdieu, 1983), também na intimidade daquele que “especta”, daquele que olha.
Outro exemplo que pode ser citado, para sublinhar a estreita relação entre as estratégias de linguagem da TV e as “tecnologias do eu” (ou técnicas de subjetivação), pode ser encontrado em programas de auditório dirigidos a adolescentes, como o “Erótica”, da MTV[6]. Nele, o cenário em tons de vermelho, o figurino ao mesmo tempo despojado e sexy da apresentadora[7], as imagens e a sonorização da abertura, os rituais do programa (em todos os programas, a apresentadora, ao chegar, tira delicadamente os sapatos, tênis ou sandálias, antes de sentar-se sobre a cama redonda e cheia de almofadas de cetim), a intimidade com que o grupo de jovens da platéia e de casa (por e-mail ou por telefone) fala de si mesmo e de sua privacidade, a tranqüilidade do médico Jairo Bouer em receber e comentar os detalhes mais diferenciados de experiência sexual do público – todos esses elementos constituidores da performance da apresentadora e do especialista, da roteirização do programa, da cenografia, e assim por diante – não se separam, de maneira alguma, da proposta de “formação”, “educação”, esclarecimento, acolhimento do jovem e do adolescente.
Diríamos, assim, que o propósito educativo de um programa como o “Erótica” centra-se justamente na exposição dos sujeitos, basicamente na exposição de todos os medos e inseguranças, de todas as dúvidas, pecados e transgressões – que, ao serem publicizados, são tratados no sentido de uma normalização – no sentido foucaultiano deste termo. Outro exemplo é o seriado “Mulher”[8], da TV Globo, em que temos uma rigorosa seleção de cenas através das quais diferentes personagens – homens e mulheres, mas sobretudo estas – têm a sua privacidade “debulhada” diante do grande público. Neste caso, mesmo que se trate de ficção, o bordão é o mesmo; é como se ouvíssemos este apelo: “exponha sua doença, exponha sua dor, exponha seu erro, exponha seu sonho, exponha seu corpo, exponha sua pieguice, exponha, em suma, a sua ‘verdade’ – que ‘nós’ (a TV e seus especialistas) acolheremos você, ofereceremos todas as explicações e lhe devolveremos novas verdades, que logo serão suas”.
A invasão dos especialistas (correlato de todas as técnicas de exposição dos indivíduos e grupos) não é privilégio dos documentários, tradicionalmente “informados” por alguém que esclarece o espectador a respeito de um determinado tema: os telejornais jamais deixam de trazer a palavra especializada do médico, do engenheiro, do advogado, do economista, e assim por diante; da mesma forma, os talk shows, os programas vespertinos (como o de Sílvia Popovic, da Rede Bandeirantes) e as próprias telenovelas (veja-se a importante presença do médico e do psicólogo no tratamento do personagem Viriato, de “Laços de Família”[9], da Rede Globo). De forma mais insistente, os programas destinados à “educação sexual” dos jovens e adolescentes, como o “Erótica”, veiculado pela MTV, não prescindem do conhecimento especializado oficial (no caso, do médico) – e acrescentam uma outra voz autorizada a falar sobre afeto e sexualidade: a voz da própria apresentadora de TV.
Nós nos perguntamos, a partir da análise desses programas, não exatamente sobre a validade ou não de a TV informar adolescentes ou outros públicos específicos (como as mulheres) sobre sua sexualidade, por exemplo, mas sobre a insistência em “tudo falar”, contraposta a outras formas possíveis de produção de subjetividades. No Brasil, Jurandir Freire Costa, um dos estudiosos de Foucault que mais tem investido em pesquisar e refletir sobre esses modos contemporâneos de subjetivação, alerta para a “exposição sistemática da intimidade ao olhar de todos”, sem que isso venha a tornar-se um “bem comum”, ao contrário do que ocorria entre os gregos clássicos, em que a singularidade do sujeito estava ligada aos investimentos que este fazia no sentido de aperfeiçoar-se (através das “tecnologias do eu”) e atingir uma espécie de excelência na vida pública, como cidadão diferenciado na pólis (cfe. Costa, 1999, p. 117 e ss.).
b) Modos de fazer os sujeitos falarem: inclusões,  exclusões e diferenças
Em estreita relação com o tópico anterior, este também trata da importância da intermitente fala confessional das pessoas comuns, dos personagens, dos apresentadores de TV, dos entrevistados, das pessoas públicas e famosas e da busca de um tipo muito particular de “autenticidade”. Mas trata principalmente das formas de exclusão e do acolhimento ou não das diferenças, justamente a partir da confissão das “verdades íntimas”.
Tudo indica que, em nossa cultura, a verdade será tão mais verdadeira, quanto mais exaustivamente for falada, como se houvesse sempre algo a buscar “no fundo” dos indivíduos, como se eles escondessem tesouros que cotidianamente devem ser abertos à vitrine pública da TV. Para quê? Segundo Jurandir Freire Costa, a confissão permanente que hoje tanto valorizamos está atrelada a uma certa concepção de autenticidade – seria autêntico aquele ou aquela que “tudo diz”, em oposição àquele que oculta, atitude compreendida assim como negativa (Costa, 1999, p. 69-76). Com efeito, aprendemos através da TV e, seguramente, não só através dela, que “falar tudo” é em si bom e desejável, e que o direito ao silêncio ou ao segredo começa a ser identificado negativamente com ocultação, talvez até com hipocrisia e mentira (Costa, idem).
Na análise de diferentes materiais observam-se múltiplos modos de a TV fazer falar, por exemplo, a mulher (jovem, adulta, idosa, doente, criminosa, famosa, simples, de classe trabalhadora, etc), e os modos de fazer falar os homens, também nessas diferentes condições. Considerando o corpus selecionado, porém, poder-se-ia dizer que haveria uma relativa predominância da mulher como protagonista de inúmeras e diferenciadas formas de confissão nas telas da TV. Nos talk shows, como por exemplo o de Marília Gabriela, veiculado pelo SBT[10], em várias ocasiões acompanhamos a apresentadora tentando “dissecar” a vida de mulheres que se tornaram famosas na mídia brasileira, como Carla Perez, Gretchen ou Suzana Alves, a “Tiazinha”: o sucesso do programa é tanto maior quanto mais minuciosas forem as falas sobre a vida privada, os “erros” cometidos no passado, a confissão do arrependimento, os percalços da fama na vida cotidiana, a soma de dinheiro alcançada, etc.
No entanto, para além da quantidade de coisas ditas, importa observar na análise todos aqueles cruzamentos propostos – considerando as diferenças de classe, de situação social, de nível de informação. Assim é que temos na televisão algumas “leis” como esta: das mulheres que, mesmo famosas, um dia foram pobres e detêm um capital cultural e social baixo (conforme nos ensina Bourdieu), pode-se impiedosamente cobrar, como Marília Gabriela o faz (ao entrevistar, por exemplo, a “Tiazinha”), todas as confissões sobre a vida amorosa, sobre eventuais expedientes utilizados para “subir na vida” e assim por diante, ficando claro para o telespectador que se trata de uma mulher das camadas populares que ali está; os gestos captados, sobretudo a expressão oral, a construção das frases, a resposta às vezes embaraçada às perguntas irônicas e agressivas, os olhares inquisidores daquela que detém o controle do discurso e do lugar (a TV) de onde se fala, os tons de voz da entrevistada e da entrevistadora – todo esse conjunto enunciativo expõe, no caso dos exemplos citados, uma mulher de determinada idade, origem social, com este ou aquele capital cultural e econômico, de tal etnia, e assim por diante. E a expõe de uma determinada maneira, a partir de determinadas valorações e julgamentos.
Ou seja, não há um tipo-padrão de confissão; mas talvez o que esteja presente aí seja uma norma que estamos aprendendo em nossa cultura – a de que se tornou impossível dizer não “à ordem cultural de confessar”, como escreve Jurandir Freire Costa. E isso tem conseqüências consideráveis para o campo da educação. Vejamos. A TV faz circular discursos que grassam na sociedade mais ampla, mas que nesse lugar (a televisão) recebem um tipo de tratamento de linguagem específico – e que é objeto deste estudo. Assim, seguindo Costa, enunciados como o de que confessar a intimidade sentimental significa expor algo até então dissimulado, portanto, aceder a um tipo de verdade escondida; ou então o de que nos tornamos “totalmente transparentes à nossa consciência e à consciência do outro”; e, ainda, o de que a “minha verdade” é mais importante do que “a verdade da sensibilidade do outro à dor e à humilhação” (idem, p. 70-71) – reforçam um tipo de mito racionalista e um tipo de individualismo que talvez mereçam maior atenção, particularmente dos educadores.
Entra em questão aqui uma discussão teórica e política da maior importância em nossos dias: a questão relativa ao respeito às diferenças, ao reconhecimento e acolhimento das diversidades, à crítica aos racismos e discriminações de todas as ordens, de exclusões e inclusões, individuais e grupais – e que de alguma forma está presente em praticamente todas as análises parciais dos programas e comerciais de TV, do presente trabalho. Concordamos com Homi Bhabha (1998) quando este afirma que a cultura é um problema na medida em que “há uma perda de significado na contestação e articulação da vida cotidiana entre classes, gêneros, raças e nações” (p. 63), e que, portanto, tal problema deve ser teorizado justamente aí, no que respeita às lutas por imposição de sentido.
Essa discussão teórica nos interessa aqui porque, ao cruzarmos as categorias de análise, apontamos para inúmeras diferenciações nos modos de constituir sujeitos homens, sujeitos mulheres, sujeitos jovens, sujeitos trabalhadores, a partir de sua participação nos programas e comerciais. A insistência, por exemplo, com que a mídia se dirige ao público jovem e adolescente, particularmente às mulheres desse grupo etário, pode e deve ser analisada na amplitude das questões que esse fato abarca – no caso desta pesquisa, buscamos justamente analisar e descrever as estratégias de linguagem para falar a esses públicos e compreender quais enunciados aí se produzem, no sentido da produção de identidades sociais e individuais (por exemplo, femininas), no interior do que aqui denominamos “estatuto pedagógico da mídia”.
c) Vidas e sujeitos feitos espetáculo do consumo
Dentre os comerciais analisados, um deles, da Pepsi-Cola[11], apresenta uma seqüência que envolve dois personagens: uma jovem mãe (de roupão branco e cabelos sensual e displicentemente semi-presos) e seu bebê (também vestido de branco, saudável e de fazes rosadas), em perfeita sintonia, marcada pelos sons típicos de bebê e uma trilha sonora sugerindo tranqüilidade e harmonia. Esse idílio mãe-filho é interrompido pelo choro, pelo desconforto – segundo a narrativa, pelo fato de a mãe ter oferecido o peito esquerdo e a criança desejar o outro seio. Quando a mãe enfim oferece o seio “desejado”, o locutor em off sublinha para o espectador: “A primeira grande descoberta de todo ser humano (pausa, música em destaque) é que ele tem escolha! (Pausa) Pepsi, a escolha da nova geração!”. Esse mesmo texto oral é reforçado graficamente, na tela, abaixo do nome Pepsi.
Talvez uma das características mais importantes e presentes nos programas televisivos seja exatamente essa: a de fazer da vida, espetáculo. Mas não qualquer espetáculo. Nele, há que haver corpos jovens, limpos, belos. Há que haver sonoridades harmônicas, trilhas sonoras que pontuam vozes humanas e enunciados sobre consumo. Há que haver o governo das nossas vontades e desejos mais íntimos, mais privados. Conceitos, como o de escolha, neste exemplo, recebem um sentido unidimensional: saber escolher o seio “certo” e acalmar-se equivale a escolher o refrigerante da “nova geração”. Na outra ponta de uma análise como esta, podemos trazer o documentário de João Moreira Salles (“Notícias de uma guerra particular”[12]), aliás, filme premiado e tornado polêmico recentemente, por um suposto envolvimento ilícito entre o diretor do filme e um dos traficantes entrevistados, conhecido como Marcinho VP. Ali também a vida seria tornada espetáculo, como nos comerciais? Sem desconsiderar o caráter de denúncia e de informação importante – sobre as complexas relações econômicas, sociais e de poder que concorrem para uma realidade como a da violência e da precariedade das vidas de grupos envolvidos com o tráfico de drogas no Rio de Janeiro –, há que se mostrar o quanto esses dois mundos, o das belas imagens da publicidade e o da crua vida dos traficantes nos morros e favelas do Rio, curiosa e violentamente se encontram: “Marcinho VP”, o traficante, indagado sobre as motivações de gestos radicais como o de tirar a vida a uma pessoa, responde que deseja um par de tênis Nike... Um bebê “escolhe” mamar Pepsi desde a mais tenra idade; um jovem das camadas populares “escolhe” um par de tênis importado e, para tanto, “escolhe” o crime como forma de vida. E a TV? Ela narra, ela tece essas histórias, seleciona estratégias de linguagem pelas quais edita vidas, aponta caminhos, ensina modos de ser, espetaculariza o humano, a qualquer preço.
d) Múltiplas estratégias de identificação da TV como locus pedagógico
Para além das explícitas formas de a mídia brasileira, hoje, apresentar-se como “sinceramente” preocupada com a educação da população, particularmente dos mais jovens e aqueles das camadas populares, atentamos, nesta análise, para as mínimas estratégias de a TV afirmar-se como o grande lugar de educar, de fazer justiça, de promover a “verdadeira” investigação dos fatos (relativos a violências, transgressões, crimes de todos os tipos) e ainda de concretamente “ensinar como fazer” determinadas tarefas cotidianas, determinadas operações com o próprio corpo, determinadas mudanças no cotidiano familiar e assim por diante.
            Interessa-nos aqui registrar, descrever e analisar tais estratégias (de linguagem) que, conforme nossa hipótese, têm um papel decisivo na produção e veiculação de sentidos que, por sua vez, estão na base da constituição dos sujeitos, de identidades individuais e grupais. Buscando o exemplo do programa “Turma da Cultura”[13] –, verificamos que a TV (talvez, neste caso, por tratar-se de uma TV de caráter educativo-cultural, este elemento fique mais visível ainda) incorpora por vezes o “legítimo” papel de mãe-educadora; no caso do programa em questão, uma ginecologista se dirige maternal e professoralmente às adolescentes-consulentes, repetindo à exaustão um sem-número de palavras no diminutivo (“catarrinho”, “muquinho”, “tetinha”, “maminha”, “pelinho enroladinho”, etc.). Ou seja, algumas vezes mais explícita nesse papel (como no exemplo citado, da TV Cultura), outras vezes sem qualquer sutileza, considerando o gênero de programa (é o caso do programa “Mulher”, da TV Globo, com suas médicas-professoras, recitando suas definições de doenças e respectivos tratamentos) – o fato é que a TV, paulatinamente, vem ocupando um lugar mais amplo do que aquele original, de basicamente informar e divertir. Agora, o papel social desse veículo se amplia e se reveste de uma “seriedade” antes desconhecida. Qual o alcance desse papel? Em que medida ele interfere em outros campos, como o das práticas pedagógicas escolares?
A idéia de que o telespectador – no exemplo acima, a mulher adolescente, no “Turma da Cultura” – é alguém que deve ser “educado”, através da TV e de seus especialistas, torna-se cada vez mais presente nos produtos que a televisão brasileira veicula. O interessante é verificar o quanto esse meio assimila os princípios mais conservadores e tradicionais do que, durante muito tempo, se entendeu que seria “educar”; no caso do exemplo acima, o tom com que a ginecologista se dirige às adolescente, referindo-se ao corpo feminino sempre no diminutivo, é apenas um dos muitos momentos de materialização dessa prática.
Já referimos o quanto há um cruzamento entre as funções da escola e as funções que a TV assume cada vez mais no cotidiano dos espectadores brasileiros. Um programa como “Nossa Língua Portuguesa”[14] (TV Cultura de São Paulo), apresentado pelo Professor Pasquale, pode trazer para o estúdio um cantor, um compositor, um jogador de futebol, entrevistá-los, apresentar o trecho de uma música bem popular, como a de um grupo de rap, falar do lançamento de um livro, explicar o que significam expressões populares como “fazer das tripas coração”, ensinar como se constroem em nossa língua os diminutivos e responder a uma criança que, ao microfone, pergunta “o que é predicado do sujeito”. Lições de análise sintática são tornadas jornalismo, o conhecimento escolar faz-se ameno e descontraído, o professor aparece e desaparece, para dar lugar ao animador de TV, que tenta fazer-se muito mais próximo “de mim”, de cada um de nós em nossas casas, talvez mais próximo do que alguns professores no cotidiano das salas de aula deste País. Há nesse programa toda uma encenação, todo um modo de olhar e de modular a voz, por parte do professor, que se faz íntimo e ao mesmo tempo assume, gradativamente (inclusive para além da emissora de TV, como homem público), o papel de ídolo, de show man, de astro da mídia. Facilita-se o vocabulário (aqui e nos telejornais), faz-se da TV o lugar de “realidade” (no caso, de realidade escolar) e se transforma essa vivência (a da escola) em espetáculo.
Os programas infantis analisados (“Angel Mix”, da Rede Globo e “Vila Esperança”, da Record)[15] igualmente mostram-se atrelados ao linguajar e às práticas didáticas escolares, como se fosse impossível dirigir-se às crianças sem fazê-las sujeitos na incompletude, sujeitos em falta, em suma, sujeitos aprendentes, marcados pela pedagogia escolar, que “deve” perpetuar-se inclusive nos horários de lazer. Perguntas e respostas a respeito de algumas inúteis e clássicas informações típicas da escola (“Quem descobriu o Brasil?”) mesclam-se a ensinamentos “passo a passo” sobre como fazer uma dobradura em papel ou à explicação sobre características de um animal como o orangotango. Recursos dos mais sofisticados, em termos de linguagem televisual, são colocados à disposição de todos esses “ensina-fragmentos” que transformam a TV numa filial da escola, no seu sentido mais pobre, a constituir meninos e meninas como sujeitos eternamente destinados a exercitar-se, a saber o que se lhes é destinado a saber.
A partir de toda a discussão foucaultiana a respeito da constituição dos sujeitos na cultura – que se processa através de dispositivos de poder, saber e produção de sujeitos –, colocamos no centro do debate a televisão como locus privilegiado de veiculação, reforço e também produção de certas maneiras de ser e estar no mundo hoje. Confirma-se, através deste estudo, a hipótese de que na própria materialidade discursiva da televisão vivem e transpiram práticas e saberes atrelados a sofisticadas relações de poder, os quais participam efetivamente da produção de sujeitos, da constituição de identidades de criança, menino, menina,  mulher, homem, aprendiz, negros, índios, jovens e adultos, brancos, operários, médicos, traficantes, modelos, artistas e assim por diante.
A análise deste item aponta para conclusões interessantes, que remetem ao que estamos chamando de “pedagogização da mídia” – de um lado, a transformação da TV comercial num locus privilegiado de “ensinar”, de “formar”, de nos convidar a fazermos nossa vida, nosso cotidiano, de um “certo modo”; de outro lado, a força de um determinado tipo de estratégias de linguagem (incluindo aí desde as opções de temáticas, de construção de roteiros até a seleção de apresentadores ou atores e atrizes e a escolha de figurinos e cenografia, movimentos de câmera e técnicas de edição), que incorporam a lógica da repetição, a velocidade sempre maior na apresentação dos fatos, pessoas e acontecimentos, a insistente publicização da vida privada, o elogio da vida e da morte como espetáculo, a recorrência circular da mídia em relação à própria mídia, o recurso ao sentimentalismo e à exposição reiterada de corpos jovens e dentro de um certo padrão de beleza, a redundância da informação. Diríamos que, dentro dessa lógica, evidencia-se a construção de uma cultura saturada de imagens e informação – tema desenvolvido com grande originalidade pela psicanalista e semióloga Julia Kristeva (1993) –, no interior da qual emerge um problema crucial, particularmente para o campo da educação: como “educar” para a seleção, a hierarquização ou a escolha de informações?

Conclusão

Pretendemos, com a discussão feita neste trabalho (e na pesquisa, de um modo mais amplo), expor um modo de analisar produtos televisivos, mostrando como as estratégias de linguagem não se divorciam do que “é dito” – são, ao contrário, constitutivas dos próprios enunciados. Analisando deste modo os produtos da mídia busca-se dar conta da complexidade das práticas culturais, o que requer uma harmoniosa articulação entre determinado foco teórico mais amplo e a abordagem dos materiais empíricos. No caso da pesquisa aqui referida, buscou-se articular a concepção de “processos de subjetivação” na cultura e, mais especificamente, o conceito de “dispositivo pedagógico”, como também a concepção de “televisibilidade” – com os modos de aproximação, seleção, registro, organização e categorização dos dados empíricos, ou seja, com a própria materialidade dos produtos televisivos. Desta forma, chegamos a um esquema de análise que enfatiza estratégias muito claras de produção do sujeito na cultura, as quais de certa forma se “materializam” em cada um dos detalhes de criação dos programas de TV. Em termos de proposta para a formação de professores, penso que o esquema de análise aqui apresentado sugere que se promova a apropriação efetiva desses sujeitos em relação aos diferentes recursos de linguagem, utilizados na criação de programas e comerciais de TV, para ultrapassar aquelas análises muitas vezes meramente ideológicas, pelas quais nos aventuramos a buscar “o que está por trás” das enunciações, como se estas escondessem certos enunciados, ao invés justamente de evidenciá-los. Tal trabalho de aproximação e de intimidade com os materiais televisivos produziu exatamente o que pareceria ser o oposto dessa tarefa: um progressivo distanciamento e também um maior domínio sobre aquilo que vemos – que, como assinala Didi-Huberman (1998), é também “o que nos olha”.
E o que vemos e o que nos olha, na cultura contemporânea, colocam no centro dos debates não apenas algumas formas de fazer televisão, de capturar espectadores, de constituir sujeitos, ou de ampliar os espaços de “educação” na sociedade. Mais do que isso, o que vemos e o que nos olha na TV parece confirmar o que grandes pensadores, como Hannah Arendt, Richard Sennet, Christopher Lasch e, aqui no Brasil, Jurandir Freire Costa e Sérgio Adorno, entre tantos outros, já têm anunciado: configura-se em nossos tempos uma progressiva transformação do espaço e do debate públicos; estes se apóiam bem mais nas experiências singulares, particulares, nas emoções, no exemplo e no sucesso individual, no elogio narcísico do corpo e da narrativa do “eu”, no controle dos gestos mínimos, na vigilância de uma sexualidade sempre incitada – do que nas práticas políticas mais amplas ou nas experiências solidárias abertas ao outro e ao diferente, para além do reduzido espaço individual. A pedagogia da mídia parece contar-nos essa história. Mas, apesar de toda a força hegemônica de tal narrativa, apostamos no fato de ela ser construída e, como tal, de trazer em si mesma a possibilidade de ser diferente do que é.

Referências Bibliográficas
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[1] O corpus de análise da pesquisa constituiu-se de 66 produtos, assim distribuídos, conforme o gênero televisivo: quatro documentários (dois do GNT, uma edição do “Globo Repórter”, um “SBT Repórter”); dois seriados (três episódios de “Mulher” da TV Globo; e três episódios de “Minha vida de cão” do canal Multishow); catorze comerciais: de carro, refrigerante e cigarro; dois desenhos animados (três episódios de “Tiny Toon” do Cartoon Network; um de “A Fazenda dos Quatro Caminhos” da TV Cultura/SP); dois telejornais (seis edições do “Jornal Nacional” da TV Globo e seis edições do “Jornal da Band”, da TV Bandeirantes); dois programas infantis (duas exibições de “Vila Esperança”, da Record, e cinco de “Angélica”, da TV Globo); dois programas didáticos (três exemplares de “Nossa Língua Portuguesa”, da TV Cultura/SP; dois “Telecurso 2000”, da Fundação Roberto Marinho/FIESP); uma novela (três capítulos “Laços de Família”, TV Globo); um programa feminino (Ver item Seriado – “Mulher”); um programa de auditório (três edições de “Erótica”, MTV; duas edições de “Turma da Cultura”, da TV Cultura/SP); um talk show (três entrevistas de “Marília Gabriela”, do SBT); dois programas humorísticos (duas edições de “Vida ao Vivo Show”; duas de “Casseta & Planeta”). Os programas e comerciais, depois de gravados, foram transcritos (pelo menos para dois exemplares de cada gênero houve transcrição integral; quanto aos demais, fez-se uma seleção dos trechos a transcrever), com a reprodução das falas, diálogos e locuções, a descrição das seqüências e das imagens, o registro das estratégias de edição e sonorização, anotações sobre cenografia, movimentos de câmera, utilização de cores, etc. Os programas e comerciais citados ao longo do texto correspondem a materiais gravados no período de agosto de 1998 a julho de 2000.
[2] No conjunto da pesquisa, consideramos especialmente a obra de Arlindo Machado (Ver Referências Bibliográficas) e, particularmente neste texto, algumas reflexões importantes sobre TV, feitas pela estudiosa argentina Beatriz Sarlo, como se verá a seguir.
[3] As conclusões desta pesquisa permite que nos alinhemos a outros estudiosos preocupados com o espaço significativo que vem ocupando a vida privada e as diferentes técnicas de confissão da intimidade nas telas da televisão e em outros meios, como revistas e jornais. É o caso, só para citar um exemplo, da pesquisadora francesa Dominique Mehl que, em seu livro La télévision de l’intimité, ao analisar programas de TV e ao entrevistar não só criadores e apresentadores de programas, como pessoas comuns que se apresentaram em talk shows, entrevistas e programas “confessionais” – traz para o debate esse complexo jogo de transgressão de hábitos e tabus, de exposição do que há bem pouco tempo considerava-se que talvez devesse ficar escondido, de mistura entre espetáculo e autenticidade, e assim por diante (Ver Referências Bibliográficas).
[4] Essa noção é explicitada no livro da autora, Cenas da vida pós-moderna – intelectuais, arte e vídeo-cultura na Argentina (Ver Referências Bibliográficas).
[5] Conforme explicitado na nota acima, sobre o detalhamento do corpus de análise e das operações realizadas com os materiais televisivos.
[6] Veiculado às 22h das quartas-feiras e reprisado aos sábados.
[7] Os programas em questão (gravados em agosto e setembro de 1999) eram apresentados por Babi, hoje no “Programa Livre”, do SBT.
[8]  Seriado exibido em 1998 pela Rede Globo.
[9] Novela das Oito exibida durante o ano de 2000.
[10] Analisamos dois programas exibidos em outubro de 1998 e um exibido em fevereiro de 1999.
[11] Comercial veiculado durante o primeiro semestre de 1999.
[12] Filme-documentário exibido pelo canal GNT (TV a Cabo), dia 12 de janeiro de 1999.
[13] Programa da TV Cultura de São Paulo. Foram analisadas edições veiculadas em dezembro de 1998.
[14] Fizemos a análise de dois programas da série, veiculados em setembro de 1998 (dias 10 e 17) e de um veiculado em novembro do mesmo ano (dia 28).
[15] Foram gravados e estudados cinco programas “Angel Mix” (veiculados nos meses de março, abril e maio de 2000); quanto ao “Vila Esperança”, analisaram-se duas edições, veiculadas em dezembro de 1998.