Nos anos 30, a antropóloga americana Margareth Mead faz da educação objeto privilegiado da antropologia, no interior da escola Cultura e Personalidade. Sua obra clássica, intitulada Growing up in New Guinea, buscava entender como valores, gestos, atitudes e crenças eram inculcados nas crianças pelos adultos, com o objetivo de formá-las para viver dentro de sua sociedade. Investigou tanto os modos de transmissão das gerações mais velhas para as mais novas como a própria formação da personalidade e as formas de aprendizagem existentes (P. Bonte e M. Izard 1991).
Esta referência é, particularmente, importante, uma vez que esta antropóloga demonstrou, ao lado da dimensão científica, a preocupação pedagógica, buscando, com base em sua experiência etnográfica, influenciar as atitudes em face de crianças e adolescentes no seu país, no sentido de uma menor repressão. A pesquisadora mostrou que a adolescência, com as características conhecidas por nós, é um fenômeno sociocultural e não uma questão fisiológica (P. Erny 1982).
Esta abordagem revelava as especificidades culturais, travando um intenso diálogo com a psicologia e a psicanálise, tendo em vista sustentar a existência de "personalidades culturais".
Um outro enfoque localiza-se na vertente da Escola Sociológica Francesa. Pierre Bourdieu trabalha a noção de habitus tendo em vista o processo educativo, que, por intermédio de sua teoria, surge, de forma dinâmica, como inculcação de disposições duráveis, matriz de percepções, juízos e ações que configuram uma "razão pedagógica", ou seja, como lógica e estratégias que uma cultura desenvolve para transmitir seus valores (P. Bonte e M. Izard 1991).
Voltando ao cenário dos Estados Unidos, observa-se uma outra tendência na investigação. Desde a Segunda Guerra Mundial, os pesquisadores vêm tomando as instituições educativas como palco de fenômenos culturais que podem ser examinados, segundo o enfoque antropológico. Acreditando ser este um caminho de acesso aos valores abrangentes da sociedade, dada a função de transmissão de valores, própria do sistema escolar, examinando os conflitos de cunho cultural que ocorrem na sociedade, ou ainda, investigando os processos de aprendizagem e os efeitos do ensino em contextos pluriculturais (P. Bonte e M. Izard 1991).
Estas notas preliminares têm o intuito de sinalizar alguns ângulos por meio dos quais as relações entre antropologia e educação podem ser dimensionadas.
Uma experiência
Passo agora ao meu ofício - articulação entre os campos da antropologia e da educação, tendo em vista minha prática e as concepções que a orientam.
Mencionei, no início desta exposição, o lugar do qual falo. Cabe, agora, desdobrar a forma pela qual ocupo este espaço, 
considerando três eixos: ensino (pós-graduação e graduação), pesquisa e orientação de teses e dissertações.
Sobre o ensino
Nos idos de 1985, Claude Lévi-Strauss, escrevendo sobre o lugar da antropologia e os problemas de seu ensino, teceu considerações sobre o projeto antropológico que, a meu ver, continuam relevantes, mesmo considerando-se as transformações histórico-teóricas no seu âmbito.
Ao definir o que é antropologia, Lévi-Strauss explica que ela emerge de uma forma específica de colocar problemas, a partir do estudo das chamadas sociedades simples, tendo no seu desenvolvimento voltado-se para a investigação das sociedades complexas, com o sentido de entender a cultura e a vida social. Uma das vias para a construção deste conhecimento é a etnografia concebida como descrição, observação, trabalho de campo a partir de uma experiência pessoal. Segundo o mesmo autor, o antropólogo visa elaborar a ciência social do observado, a partir deste ponto de vista, ultrapassando suas próprias categorias. Construindo um conhecimento fundado na experiência etnográfica, na percepção do "outro" do ângulo de suas razões positivas e não de sua privação, buscando o sentido emergente das relações entre os sujeitos, ele estaria transpondo suas próprias referências como aquelas do contexto observado.
Eis aí, resumidamente, um dos legados da antropologia.
É este outro olhar, esta forma alternativa de problematização dos fenômenos que busco evocar, a princípio, no uso da etnografia dentro do campo da educação.
Como fazê-lo?
Não se trata de reduzir a etnografia a uma técnica, mas tratá-la como uma opção teórico-metodológica, o que já implica conceber a prática e a descrição etnográficas ancoradas nas perguntas provenientes da teoria antropológica.
Peirano (1995) insiste em que não existe dissociação entre pesquisa teórica e empírica, sendo a história da disciplina ao mesmo tempo história e teoria, e as monografias constitutivas do próprio desenvolvimento da disciplina e da teoria antropológica.
Vale lembrar que a postura de base antropológica visa o entendimento das diferenças culturais ou da alteridade, a partir de um projeto universalista. Como diz Peirano, neste mesmo ensaio, a antropologia pretende não só o conhecimento contextualizado de cada universo cultural, mas, nos seus horizontes universalistas, supõe que o que se encontra em uma dada cultura estará em outra, embora de forma distinta.
Vista assim, a relação entre a antropologia e o campo da educação adquire contornos desafiantes. Como articular o projeto antropológico de conhecimento das diferenças com o projeto educacional de intervenção na realidade (R. Novaes 1992)?
Mantendo este dilema, percebo que o ensino de antropologia na área de educação deve permitir que o educador apreenda outras relações e posturas, mergulhando na literatura antropológica. Trata-se da aprendizagem de uma outra linguagem, de um outro código que possibilita outras dúvidas sobre os fenômenos tidos como educativos dentro e fora da escola. Discutem-se posturas etnocêntricas que fazem do "diferente" um inferior e da diferença uma "privação cultural", assim como desconstroem-se estereótipos (G.Velho 1980) a partir de um outro sistema de referências, buscando entender uma outra racionalidade nos seus termos.
Esta atitude de estranhamento visa, por meio da análise de relações sociais concretas, o questionamento de categorias abstratas e o conhecimento mais complexo da realidade.
Passa-se, então, à desnaturalização dos fenômenos, mostrando como práticas, concepções, valores são socialmente construídos e, portanto, simbólicos.
Quais as estratégias a serem usadas?
Segundo Clifford Geertz (1978), o entendimento do que é uma ciência passa pelo conhecimento de seu exercício. De acordo com esta orientação, tenho como proposta de ensino o trabalho intensivo sobre as práticas de investigação etnográfica, conhecendo diretamente autores e suas monografias, discutindo escolhas, trabalhando conceitos forjados no âmbito da disciplina, no contexto da obra dos autores, com particular destaque para as definições de cultura.
Abre-se relevante espaço para os debates contemporâneos sobre o estatuto da antropologia como ciência, os limites dos pesquisadores na elaboração da interpretação, as questões relativas a "padrões e estilos de vida" na sociedade complexa e às relações entre cultura, massificação da sociedade contemporânea e relativização da globalização (Velho 1994). Acrescentem-se outras discussões sobre o trabalho de campo em uma perspectiva dialógica, investindo-se nas polêmicas sobre a descrição etnográfica.
Tratando-se de uma iniciação à literatura antropológica, não existem pretensões de esgotar coisa alguma, mas de elaborar outras perguntas inspiradas na antropologia, fabricando outras versões sobre os fenômenos de interesse do educador.
Sobre a pesquisa e as orientações de teses e dissertações
Fruto da inspiração antropológica,vêm sendo desenvolvidas pesquisas institucionais e orientações de teses e dissertações.
Os trabalhos se passam no meio urbano, e vêm buscando a ótica da antropologia das sociedades complexas. Gilberto Velho (1980) já mostrara como as grandes cidades são reveladoras da complexidade institucional e da heterogeneidade oriunda de diferentes tradições culturais ou religiosas e daquela proveniente do mundo do trabalho. Portanto, mesmo a partilha de patrimônios culturais extensivos não afasta descontinuidades e diferenças emergentes de experiências sociais distintas. São estas distâncias que tornam possível a pesquisa na própria sociedade do observador.
O mesmo autor, prosseguindo nas suas investigações, dá especial relevo aos processos de construção da identidade, projeto e memória, por exemplo, tendo em vista a reflexão sobre as "sociedades complexas moderno-contemporâneas", referenciando-se, sobretudo, no contexto brasileiro (Velho 1994). Segundo, ainda, Gilberto Velho (idem), não se trata, também, de distinguir as chamadas elites e as camadas populares, mas valorizar os aspectos dinâmicos e relacionais entre os mesmos. Desvendar, então, as combinatórias e as mediações entre os níveis diferentes de uma sociedade complexa é, como diz o autor, tarefa contemporânea e significativa para a pesquisa histórico-sociológica.
As concepções e práticas de leitura e escrita estão ligadas à problemática da identidade e da construção da subjetividade, remetendo o pesquisador às suas dimensões históricas, mas também à idéia de que valores e atitudes são variáveis em termos de padrões de sociabilidade no espaço cultural. As práticas de leitura e escrita vêm sendo examinadas dentro e fora das fronteiras escolares, tanto no interior do projeto de pesquisa, como a partir de recortes específicos, seja em dissertações de mestrado ou em teses de doutorado.
Entre tensões e paradoxos, vem sendo realizada uma reflexão sobre o que "faz o leitor, leitor" em diferentes contextos escolares e em um estudo de caso envolvendo escritores vinculados à chamada literatura infanto-juvenil.
0 comentários:
Postar um comentário