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terça-feira, 15 de novembro de 2011

Mulan: idéias feministas e ênfase no machismo

Imagem do filme Mulan da Disney.
É tão machista Mulan tentando ser enquadrada no modelo de mulher da China imperial, submissa, silenciosa e eficiente serva da casa e do marido. Mostra Mulan se esforçando, à sua maneira, para conseguir ser aceita pela sua família e pela sociedade. ela sai de casa para substituir o pai no campo de batalha e salvá-lo da morte certa, tem partes bem engraçadas sobre estereótipos masculinos, a aceitação de Mulan pelo grupo, das palhaçadas  do dragão desmiolado que é seu único aliado e que mais atrapalha que ajuda, além da superação de Mulan  durante o treinamento físico.
O filme segue assim até a hora da primeira batalha quando Mulan tem uma idéia estratégica para conter o exército do Unos que excede em número e força o seu regimento. Ela toma a frente de seu regimento sem explicar nada a ninguém toma a iniciativa e põe em prática seu plano, contra todos, inclusive o dragãozinho seu aliado.
Na verdade o regimento de Mulan, é o único a vencer uma batalha com os Unos, nesse combate Mulan se machuca e depois de causar uma avalanche que destrói a maior parte do exército inimigo e salvar seu comandante da morte, o machucado fica evidente e  ao ser tratada, ela é descoberta. Ela é humilhada e sentenciada à morte, que só não acontece, pois seu comandante lhe deve a vida. Ela então é deixada para trás, expulsa do exército, que graças a ela, se salvou para colher os louros da vitória.
Ao descobrir que seu plano não foi o suficiente para derrotar todo o exército Uno ela segue para a cidade imperial para avisar seus colegas. Ninguém a escuta, e são tomados de assalto pelos inimigos quando festejavam a vitória. Ela persiste e com suas idéias derrota finalmente o que sobrou do exército dos Unos e salva definitivamente o império e o imperador. O imperador reconhece sua força e valor, agradece seu trabalho e lealdade.
O filme tem um bocado de méritos em mostrar uma mulher em um papel exclusivamente masculino e que, apesar de ir contra tudo e todos, consegue se sobressair, vencer e ser reconhecida por seus pares, seus superiores,  pela multidão que a vê em ação. É reconhecida e aceita por todos, menos por sua família.
Talvez o filme Mulan fosse muito mais feminista, se no final, o foco da felicidade de sua família ficasse no seu valor e nas suas realizações e menos na idéia implícita do casamento com o jovem líder do seu regimento.
 MULAN E PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO FEMININO
A psicologia analítica compreende que os mitos (religiões), histórias (literatura), contos de fadas e filmes (mais próximos de nossa realidade), podem ser compreendidos (em alguns casos) como metáforas de nossa dinâmica psíquica, isso explicaria porque ficamos tão impressionados, fascinados por alguns filmes ou porque nos identificamos (coletivamente) com alguns personagens ou situações.
Em nosso caso, o filme “Mulan” nos oferece uma narrativa interessante para pensarmos a dinâmica do processo de individuação sob a ótica feminina. Devemos compreender que o processo de individuação para Jung significa tornar-se um ser único, na medida em que por "individualidade" entendermos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si - mesmo. Podemos, pois traduzir "individuação" como "tornar-se si - mesmo" (Verselbstung) (JUNG, 2008, 60)
Assim, a busca por si mesmo ou a busca para se descobrir quem si é, é o que mais caracteriza as narrativas (metáforas) do processo de individuação.
A história de Mulan começa quando ela se depara um momento crucial da vida, no limiar que marca uma mudança de etapa da vida, que é casamento (ou melhor, a preparação do casamento), onde ela fracassa. Em nossa realidade, essa mudança poderia ser um término relacionamento, uma reprovação no vestibular ou concurso, a perda de uma familiar próximo ou momentos em que sua importância marcam um “antes e depois” em nossa vida.
Frente ao fracasso do encontro com a casamenteira e a sentença dela “Você é uma desgraça! Pode até parecer com uma noiva, mas, nunca trará a sua família honra!!!”, Mulan se depara com outro conflito que a convocação do pai doente para a guerra, ao qual Mulan reage impulsiva, abraçando o problema do pai, como se fosse o problema de sua vida. É importante notarmos, que Mulan vai para guerra, ela foge para a guerra. Na calada da noite, ela foge de casa, foge de seu fracasso. Que não é simplesmente um fracasso pessoal, é um fracasso frente a sua família e cultura. Numa cultura onde a perfeição é um alvo, Mulan reconhece sua limitação quando canta “a perfeita esposa jamais vou ser Ou perfeita filha”. Quando surge  a guerra, surge a possibilidade de fugir também de todos seus problemas. E, muitas vezes, é o que acontece em nossas vidas, frente a uma grande crise fugimos para outros problemas… ou nos enfiamos no trabalho, ou vivemos para os filhos, ou paramos nossa vida para simplesmente nos lamentar por não conseguirmos ir adiante.
Ao fugir para guerra, Mulan foge de si mesma, se torna Ping. Ela se camufla, se passa pelo que ela não é, tendo uma convivência inadequada com os outros. Mas, os conflitos de Mulan não estavam apenas num plano social, cultural ou consciente, mas, no plano “espiritual” e inconsciente – que no filme é bem representado por Mushu.
Mushu é uma expressão do animus, isto é, do arquétipo que personifica o inconsciente, favorecendo o desenvolvimento do Self, por complementar a atitude da consciência. Mushu é um dragãozinho que era um guardião, mas que foi rebaixado por algum motivo do não revelado. Devemos notar que sua postura é de manipulação, ou seja, de enganar Mulan para atingir seus objetivos (que era reaver seu posto e ter o reconhecimento dos ancestrais). Mushu é uma manifestação primitiva do animus, pouco diferenciado – isso pode ser percebido, por sua forma animal (teriomórfica), seu tamanho e atitude. Ele é a expressão da relação de Mulan consigo mesma (e com sua cultura circundante).   Nós podemos observar que a relação de Mulan com seu pai, a quem tenta proteger, indo para guerra. A identificação com o pai faz com que ela seja uma “filha do pai”, que não desenvolve sua sensualidade nem sua identidade feminina. (Podemos até lembrar, que na Mitologia Grega, Atena foi uma deusa nascida apenas do Pai (Zeus), que jurou ser virgem, e se tronou uma deusa da guerra).  A confissão de Mulan – de que não seria nem esposa nem filha perfeita – expressam justamente essa dificuldade de relação com o masculino, no caso com o Animus. Mushu, quando aparece a Mulan, passa a guia-a dando idéias e conduzindo-a em situações difíceis.
É interessante lembrar que uma das diferenças entre a Anima e o Animus, é justamente que o homem deve conquistar a Anima, ao passo que a Mulher deve resistir às investidas do Animus. A esse respeito, Esther Harding (proeminente analista Junguiana da primeira geração) relata uma de suas conversas com Jung.
Disse que um homem adotar uma atitude feminina, enquanto uma mulher deve combater seu animus, uma atitude feminina. (…) O Dr. Jung passou então a falar da força da feminilidade, como é maior do que qualquer [imitação da] adaptação masculina, e como uma mulher que é mulher da cabeça aos pés pode permitir-se a ser masculina, tal como um homem que está seguro de sua masculinidade pode permitir-se a ser terno e paciente como uma mulher (…)`(Maguire et Hull, 1982, 42-3)
A adaptação ou imitação da masculina de Mulan surtiu efeitos, ela conseguiu se colocar lado a lado com os homens, mas, ela perdeu algo mais importante, que foi a possibilidade de estar com Li Shang. A questão maior está em perder a possibilidade de viver uma relação verdadeira. Até que suas ações a revelam. Isso acontece em nossa realidade quando explode a neurose, quando uma vida “feliz” e “adaptada” de repente, vira um deserto de depressão ou um caos de medo e ansiedade, a neurose é uma revelação, mesmo que não tenhamos clareza dela.
O ponto de mudança está no enfrentamento, na verdade consigo mesmo, como podemos perceber quando Mulan e Mushu reconhecem um ao outro suas verdadeiras intenções. E voltam, ao ponto onde a aventura começou: a ameaça dos hunos.  A partir desse ponto, Mushu não mais domina Mulan, mas, eles trabalham juntos. Apesar das dificuldades de ser mulher, e ninguém ouvidos a ela. Ele insiste, e quando os hunos seqüestram o imperador, sua firmeza faz com que seus companheiros de armas, a sigam e adotem um plano inusitado, que era vestir-se de mulher para enganar os hunos. É interessante observar, que seu plano foi justamente o inverso que ela havia adotado. ao se encontrar com sua feminilidade, Mulan pode também mostrar que não há mal algum nisso.
E, assim, se revelando em sua realidade de mulher, e com a ajuda Mushu, Mulan pode por fim a Shan Yu – a personificação de seu animus sombrio. Após, sua aventura, ser honrada pelo imperador, reconhecida por todos, ela reconhece a si - mesma, como sendo a filha de Fa Zhou. A quem retorna não mais intempestiva, mas, serena. Sua relação com seu pai muda, na medida em que Li Shang, vai a seu encontro, e abre a possibilidade dela fazer um bom casamento.
É importante pensar, que o casamento é símbolo da união. Neste caso, da união do inconsciente e da consciência, do processo de transformação de um animus  primitivo (Mushu) para um animus superior, adequado, que é o próprio Li Shang. – que desde o inicio da trajetória como Ping.
O filme nos ajuda a perceber que o processo de individuação é um processo, primeiramente, de sinceridade consigo mesmo. É um olhar para trás, para saber de onde vim, minhas motivações, mas, é também um voltar-se para o futuro, “o que devo fazer“ Esses enfrentamentos delimitam o quem somos nossos limites e saber o sentido de nossos atos. Jung frisava que individuação não  significava “perfeição”, mas, “totalidade”. Ou seja, ter uma vida plena, mas, para isso devemos conhecer (ou reconhecer) quem somos – mesmo naqueles aspectos sombrios que não queremos ser – refletindo também sobre qual o caminho que estamos tomando e se esse caminho não está nos levando para longe de nós mesmos.
No filme, para Mulan chegar a si mesma, ela teve de enfrentar seu complexo paterno, redimensionar sua persona (o que ela queria que os outros vissem), enfrentar a sombra (as consequências de seus atos e escolhas) para enfim desenvolver o potencial de ser quem ela sempre foi, mas, que ela nunca se permitiu ver.
 Referencias,
 Jung,  O Eu e o Inconsciente, Vozes: Petrópolis, 21 ed. 2008.
HULL, RFC, MAGUIRE, W. C.G.Jung: Entrevistas e Encontros,  São Paulo : Cultrix, 1982
Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)
Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Familia (Saberes, ES). Atua em Vitória desde 2003.

1 comentários:

Como caralhas eu uso isso? disse...

Não cara... Mulan é um clássico, não projeta essas porcaria que tu gosta nesse filme foda não, pelo amor de odin.

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